Rafael Bqueer

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Alice e o chá através do Espelho

1″54
Performance
Registro por: Paulo Evander Castro
Belém/PA
2014

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Alice no país dos Baurets

3″13
Vídeo-performance
Registro por: John Fletcher
Belém/PA
2015

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Urucum

6¨57
Vídeo-performance
Registro por: André Costa
Parceria com o Projeto Sopro, na Agrofloresta Borboleta Azul/ RJ
2020

Sobre a artista

Rafael Bqueer (Belém/ Pará, 1992). Tem formação pelo curso de Artes Visuais da UFPA. Trabalha com múltiplas plataformas como fotografia, vídeo e performance. Em seu trabalho, Bqueer investiga o impacto do colonialismo e da globalização por meio de ícones da cultura de massa recontextualizando às complexidades sociais, raciais e políticas do Brasil. Combinando ações com montações que cruzam sua memória com a infância, a obra de Bqueer aborda a questão do racismo, trazendo suas experiências com os desfiles das escolas de samba, arte drag e a cultura de massa das periferias para questionar os símbolos eurocêntricos de poder, bem como a ausência de narrativas afro-brasileiras e LGBTQIA+ na arte-educação e em instituições de arte. Vive e trabalha entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Participou de exposições nacionais e internacionais, destacando : “Against, Again: Art Under Attack in Brazil”- Nova York (2020) ; “How to Read El Pato Pascual: Disney’s Latin America and Latin America’s Disney”- MAK Center, Los Angeles_ EUA (2017) e a individual “UóHol” no Museu de Arte do Rio (2020).

Artista premiadx na 8º Edição da Bolsa de fotografia da Revista ZUM – Instituto Moreira Salles (2020) e na 7º edição do Prêmio FOCO Art Rio(2019).  Participou da 6º edição do Prêmio EDP nas Artes do Instituto Tomie Ohtake (2018) e 30ª edição do Programa de Exposições Centro Cultural São Paulo- CCSP (2020).

Participou do Salão Arte Pará- Malhas Afetivas (2019) e Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia (2015).

Suas obras fazem parte das coleções do Museu de Arte do Rio (MAR) , Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) e Museu do Estado do Pará (MEP). 

1991: Um homem negro utilizando uma minissaia, mangas bufantes, gola rolê, um laço nacabeça careca e ladeado por uma escultura de um coelho estrela em cima de um carro alegórico no carnaval do Rio de Janeiro. Esse homem é Jorge Lafond – ator negro e gay, ícone de uma geração LGBT no Brasil – em um dos ápices do desfile “Alice no Brasil das Maravilhas”, enredo da Beija-Flor assinado pelo carnavalesco Joãosinho Trinta.

25 anos depois, outro corpo negro LGBT incorpora Alice num cenário de genocídios tropicais, ruínas sociais e de um projeto de renovação que prometia reacender a chama nacional do Brasil em decorrência da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Esse corpo é o de Rafael Bqueer, artista do Pará e residente no Rio de Janeiro, que utiliza a imagem da personagem infantil como um dado antitético para tratar de um Brasil dividido e hierarquizado.

Na exposição Alice e o chá através do espelho, Bqueer reúne uma série de 13 fotografias realizadas na Vila Autódromo em que registra, como um peregrino, o processo de desapropriação de uma comunidade que já existia há 40 anos em prol da construção de dependências para uso durante os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. A área, de alto poder especulativo por estar numa zona nobre da cidade, é próxima do Parque Olímpico e foi arruinada pelo perverso processo de higienização realizado pelo poder público para a recepção de turistas durante os jogos.

A queda de Alice na toca do Coelho Branco no livro clássico de Lewis Carroll se metamorfoseia no trabalho de Bqueer como uma estratégia de investigar um país que aparece fantasioso, exótico e democrático nos guias de turismo, mas que tem a sina em promover genocídios contra populações subalternizadas – como as comunidades LGBTs, negras e periféricas. Não há nenhuma fábula quando se fala sobre violência institucional no Brasil, mas sim, uma miríade de estratégias que tentam reforçar ainda mais os abismos sociais.

A Alice de Rafael, com sua roupa suja e embotada pela poeira levantada pelas máquinas de demolição da Vila Autódromo, aponta que para que haja uma parcela que goza o conto de fadas de um bem-estar social, outras pessoas tiveram (e tem) suas existências ameaçadas e subjugadas.

No final, o espelho de Alice proposto por Bqueer não é o reflexo da conhecida quimera infantil, mas sim, o que se enxerga através e além dele: o oposto, aquilo que está eclipsado, as subjetividades e aparências que por muito tempo tiveram sua autoestima atacada pelos processos de normatização social e que, atualmente, vêm conquistando espaço na construção de narrativas particulares – que tomam a ferida colonial não como algo que paralisa, mas sim, como uma evidência da necessidade de combater os sistemas de desigualdade perpetuados. Quem serve o seu fino chá das 5? 

Tiago Sant’Ana
Artista visual e Curador .